Alessandra Cristina Costa Monteiro
Mestrado
em História Social pela Universidade Federal do Maranhão- UFMA.
Natália Regina Costa Monteiro
Graduação
em Ciências Humanas – Habilitação História – pela Universidade Federal do
Maranhão- UFMA.
Resumo: Constata-se em
Pinheiro, sobretudo no bairro da Matriz, um conjunto de edifícios que são
resultado de um passado materializado e que abarcam um relevante patrimônio
histórico e arquitetônico para a cidade. Nesta pesquisa, achamos importante levar
em consideração reflexões do debate histórico contemporâneo, como a relação
entre história e memória. Trata-se de conhecer alguns dos importantes debates e
desafios postos para este campo de conhecimento. Portanto, mapeamos e
analisamos os principais casarões do bairro da Matriz, procurando relacioná-los
a história local a partir da memória da população mais antiga do bairro.
Palavras-Chave: Patrimônio
Histórico. História. Memória. Cidade.
Introdução
O processo de ocupação
e povoamento da atual cidade de Pinheiro começou no século XVIII a partir da
chegada de lavradores e criadores de gados na região e de seus familiares e
escravos. Um dos bairros mais antigos da cidade, que leva o nome de Matriz, foi
o local onde se desenvolveram as primeiras construções a partir da formação de
povoados e vilas. Desse modo, constata-se que em há Pinheiro, sobretudo no
bairro acima citado, um conjunto de edifícios que são resultado de um passado
materializado, e que abarcam um relevante patrimônio histórico e arquitetônico
para a cidade.
A proposta para este
estudo surgiu a partir de inquietações provocadas pelo processo de construções
e transformações urbanas ocorridas no bairro da Matriz. Dessa maneira, a
escolha do Patrimônio Arquitetônico como objeto de estudo se deu por
acreditarmos na importância destes para a Memória, a História e a Cultura
histórica local.
Portanto, observamos
que o crescimento urbanístico do município trouxe transformações nos interesses
de grupos da comunidade local, em relação à preservação ou não de algumas
construções antigas do município.
História
Oral e Memória.
A História Oral, surgiu
a partir dos anos 1970, ligada a linha de estudos culturais que se afastava dos
estudos puramente estruturais e quantitativos. Conforme Philippe Joutard, a
história oral apareceu com três objetivos iniciais: 1) ouvir a voz dos excluídos;
2) trazer à tona as realidades indescritíveis; 3) testemunhar as situações de
extremo abandono. Desse modo, havia a possibilidade de se discutir o que não
havia nos documentos escritos, por meio da qual se poderia penetrar no mundo
imaginário e do simbólico (JOUTARD,
2000: 33-34 apud FIORUCCI, 2010: 07).
A memória passou a
fazer parte das discussões epistemológicas que foram/são frequentes e intensas
nas últimas décadas. Assim, os historiadores têm dedicado grande interesse na
relação entre memória e história como um problema historiográfico. Desse modo,
nas décadas de 1960 e 1970 a memória surgiu na cena historiográfica via
história das mentalidades coletivas, e hoje constitui um importante campo de
pesquisa empírica e de reflexão teórica no campo do conhecimento histórico.
Ademais, a história
deve, por meio da memória, recuperar a história que os livros não registraram.
Uma maneira de resgate dessa memória é pela tradição oral, por meio dos
“homens-memória”, que nas palavras de Le Goff, são uma espécie de guardiões da
memória coletiva (LE GOFF, 1992: 422), responsáveis por transmitir aos mais
novos as memórias do povo, da comunidade, por meio da narração de suas
histórias.
O fato é que a história
oral deixou de ser apenas fonte como era na década de 1970, passando a
metodologia da história. Nessa linha, a memória tornou-se importante campo de
pesquisa para os historiadores, de maneira que aos poucos as relações entre
história e memória foram se tornando elementos de reflexão teórica. Hoje,
sabe-se que a memória constitui um elemento indispensável à construção de uma
identidade nacional. É por ela que o homem atualiza impressões ou informações
passadas e recompõe ou compõe a sua história.
Memória
e Cidade: o patrimônio arquitetônico da cidade de Pinheiro- MA.
Para Rolnik, as construções arquitetônicas de uma
determinada época guardam muito das experiências e histórias vivenciadas pelas
sociedades que as construíram e, por isso, a preservação da memória coletiva
dessas sociedades, por meio da existência desse patrimônio, é uma riqueza que
pode ser descoberta através da memória, das imagens e da oralidade (ROLNIK,
1995: 18).
Conforme Halbwachs, a
materialidade de uma cidade ajuda a resgatar as lembranças apagadas ou
esquecidas. Para ele “nossas impressões se sucedem, uma à outra, nada permanece
em nosso espírito e não seria possível compreender que pudéssemos recuperar o
passado, se ele não se conservasse, com efeito, no meio material que nos cerca”
(HALBWACHS, 1990: 143).
A partir da
identificação e localização desses bens, buscamos mapear informações sobre seus
proprietários, fazer algumas descrições dos imóveis, entender as modificações
recentes, além de fazer o uso de fotografias para uma melhor compreensão do
tema abordado. Contudo, para melhor delimitar o objeto de estudo, mapeamos
algumas das edificações mais antigas dessa área, são elas: os sobrados da
família Correia e a casa de dona Maria de Jesus.
Sobrados da família Correia
Fonte: Natália
Monteiro
É importante destacar
esses dois sobrados localizados em frente à praça Newton Pereira, conhecida
popularmente como a Praça da Matriz, construídos no século XX e para os quais
não encontramos ano preciso de sua construção, que chamam atenção pelas suas
características e principalmente por estar presente na memória dos moradores
como os prédios mais antigos da cidade.
O casarão à esquerda
foi construído pelo senhor Raimundo Carlos Correia, mais conhecido como
Raimundo Socó, aos seus 22 anos. Ele foi
ferreiro e atleta, competiu em vários lugares, inclusive Rio de Janeiro, São
Paulo e Brasília. Construiu esse sobrado para morar com sua primeira esposa com
a qual teve quatro filhos. Após o falecimento da mulher, casou-se com Dona
Joana, atual moradora.
Dona Joana relata que
além de guardar objetos muito antigos, faz o possível para conservar a mesma
estrutura da casa, porém, o custo para mantê-la é muito alto. Segundo ela, no
decorrer dos anos houve apenas alteração na cor da fachada e nas paredes
internas, como percebemos nas imagens acima. Isso fica mais evidente quando
chegamos à parte interna da casa.
Para Bosi (1994),
o ver corrobora o lembrar, por isso que as pessoas mais velhas a maioria das
vezes guardam vestígios do que vivenciaram, como fotos, estatuetas, cartões, e,
quaisquer outros objetos que lhes transmitem o passado.
Baú e Pilão, objetos antigos preservados pelos
atuais moradores dos casarões. Fonte: Natália Monteiro
Enquanto isso, o
casarão que aparece na imagem acima (lado direito), também chama atenção pela
sua arquitetura. Ele pertence atualmente a Mario César Correia, filho do seu
Raimundo Socó. Seu Mário, nos fala que nasceu e foi criado nesse sobrado, que
pertencia a seus avôs. Segundo o mesmo, ali funcionava uma padaria e a primeira
e única fábrica de cigarros da cidade. Relata ainda que seu avô contribuiu
muito para a economia de Pinheiro, além de ter sido uma pessoa solidária que
ajudava muito a população pinheirense.
Em relação a estrutura,
“a casa conserva a mesma fachada, mas na parte interna, já foi quase toda
descaracterizada”, relata o morador Mário. Além disso, guarda inúmeras peças
que foram dos seus antepassados.
Residência de dona Maria França
Fonte: Natália
Monteiro
Também merece análise a
residência de dona Maria França. Segundo o relato da moradora, esta é uma das
casas mais antigas da cidade. Ela conta que ali funcionava uma sorveteria.
Ademais, a casa conserva a mesma estrutura antiga, inclusive um porão aos
fundos. Dona Maria diz que “não há interesse em fazer modificações”, isso por
pensar em sua residência como herança e parte da história de Pinheiro.
Porão
localizado aos fundos da casa de dona Maria.
Fonte:
Natália Monteiro
Acrescenta
ainda que sua filha não quer modificações. Nesse sentido, as únicas alterações
na residência foram as grades colocadas nas portas e janelas, apenas por motivo
de segurança. Desse modo, no interior da casa percebemos que os ladrilhos da
sala, fazem parte ainda da construção inicial, e “apresentam motivos
geométricos em formato retangular tridimensional, de esmalte que se torna
impermeável e brilhante” (RUBIM, 2003: 48).
Piso
da casa com formas geométricas, conservados desde a sua construção até os dias
atuais.
Fonte:
Natália Monteiro
Conforme Rubim,
“a porta principal é constituída
por almofadas simples e bandeira fixa com vidros pequenos para facilitar a
iluminação interna. As quatro janelas laterais possuem almofadas simples abaixo
de venezianas de duas folhas; as bandeiras das janelas são fixas. Abaixo de
cada uma das janelas há linhas verticais com relevos. Uma faixa horizontal de
relevos dá destaque à fachada” (RUBIM, 2003: 47).
Merece destaque ainda o
forro de madeira da sala. Conforme dona Maria, ela mandou colocar o forro de
assoalho, contudo, afirma que toda a casa era forrada de tabica aberta. Segundo
o seu marido, isso deixava a residência ventilada.
Forros
de tabica em formas geométricas conservados pela atual moradora.
Fonte:
Natália Monteiro
Enquanto isso,
constatamos que nos quartos foram conservados os forros de tabica em formas
geométricas quadriculadas, tendo uma pequena separação entre elas para arejamento
no interior da casa.
Considerações
Finais
“A preservação de
centros históricos além de marcar a identidade coletiva dos povos, promove o
cuidado de seus bens culturais tanto materiais quanto imateriais, pois,
representa em termos simbólicos, a memória de uma nacionalidade” (SILVA, ARAÚJO, BARCELLOS, 2010:
01).
Assim, o patrimônio é
entendido como “o conjunto de bens materiais e imateriais que contam a história
de um povo e sua relação com o ambiente em que viveram e que ainda vivem,
prevalecendo à herança do passado que é transmitida de geração para geração” (SILVA, ARAÚJO, BARCELLOS, 2010:
01).
Nesse sentido, “o
patrimônio histórico da cidade se insere como espaço onde as identidades podem
ser resgatadas e que fornece às pessoas uma sensação de um conforto sobre sua
história” (SILVA,
ARAÚJO, BARCELLOS, 2010: 01). Assim, ao se tratar da
preservação do patrimônio histórico, é preciso deixar bem claro que se trata
também do desejo da sociedade, para a qual determinado monumento tem
significações relevantes, por ser parte de sua construção histórica.
Portanto, nota-se que
não há uma forte preocupação com o patrimônio arquitetônico, e isto é
evidenciado na ausência de esforços de diferentes grupos, públicos e privados,
em estabelecer memórias concernentes às histórias da região. Apesar disso, nas
lembranças dos moradores mais antigos do bairro, percebemos que há ainda uma
forte relação entre os imóveis e a história da cidade, embora muitas vezes
estas encontrem-se afetadas pelo contexto social em que estão inseridas.
Referências
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade:
lembranças de velhos. São Paulo, Companhia das Letras, 1994.
FIORUCCI, Rodolfo. História Oral,
Memória, História. In: Revista História
em Reflexão: Vol. 4, n. 8 – UFGD- Dourados Jul/dez 2010.
HALBWACHS,
Maurice. A memória coletiva. São Paulo, Vértice, 1990.
LE
GOFF, Jacques. Memória. In: _____. História e Memória. Trad. Bernado Leitão et
al. Campinas: Educamp, 1992.
SILVA,
Jaquisandro Ferreira da; ARAÚJO, Marianna de Queiróz; BARCELLOS; Lusival
Antônio. Patrimônio Histórico e Cultural: o caso da cidade de Rio Tinto, 2010.
RUBIM,
Paulo César Souza. Características da Arquitetura Luso- Brasileira na Cidade de
Pinheiro- Ma: localização, história e memória. Monografia apresentada ao curso
artes visuais da UFMA, 2013.
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ResponderExcluirParabéns pelo diálogo argumentativo bem construído no texto. Seria o museu ainda a maneira mais eficaz de preservar a memória coletiva de um povo?
ResponderExcluirAllef Gustavo Silva dos Santos
Universidade estadual do Maranhão
61348763302
Boa tarde. É complexo afirmarmos que o museu seja a forma mais eficaz uma vez que há tantas outras formas de arquivamento de memória. Compartilho da visão de Nora que afirma que sem os homens-memória e sem a tradicional transmissão das memórias coletivas, nos deparamos com a expansão dos museus, bibliotecas, etc. Com isso, cabe a história e aos arquivos a conservação e transmissão de uma memória que já não aparece e não se matem de forma natural, surgindo para essas sociedades o que Nora chamou de “lugares de memória”.
ExcluirOlá Alessandra e Natália, parabéns pela pesquisa.
ResponderExcluirSou pesquisadora do patrimônio cultural e não me canso de me encantar com as preciosidades que vemos pelo Brasil nessa área. Destaque para o forro e o piso da casa de Dona Maria, belíssimos e ao que parece, bem conservados. Realmente os debates acerca do patrimônio arquitetônico, bem como suas possibilidades de pesquisa são inúmeros e diversos. Isso também se deve a nossa diversidade cultural e a representações dos diferentes povos que compõem esse cenário multicultural brasileiro. Nesse sentido, a pesquisa de vocês pode apontar, quem sabe futuramente, diversos nuances acerca das memórias da cidade e sua relação com o patrimônio arquitetônico. Desejo boa sorte nos estudos futuros!
Camila de Brito Quadros Lara-PPGH/UFGD.
Obrigada pelas observações Camila. Com esta pesquisa estamos buscando mostrar a população em geral e também as autoridades públicas a importância destes bens materiais no resgate de nossa história. Desejo a você também boa sorte em sua excelente pesquisa. Abraços!
ExcluirSim, realmente trata-se de uma luta constante. Porém, cada vez mais necessária.
ExcluirCamila de Brito Quadros Lara- PPGH/UFGD
Boa tarde, parabéns Alessandra e Natália pelo trabalho! as pesquisas sobre patrimônio histórico cultural são relevantes para que a sociedade se posicione criticamente em defesa da preservação dos mesmos, pois esses patrimônios representam a memória histórica das sociedades. É interessante ressaltar que na cidade de Pinheiro -MA, a preservação desse patrimônio arquitetônico presente no bairro Matriz acontece por inciativas dos próprios moradores e que a atuação do poder público é ausente. Gostaria de saber se não existem discussões ou projetos leis que reivindicam a preservação do patrimônio histórico e cultural da sua cidade ou se ainda não foi criada nem uma lei de tombamento desses patrimônios que você pesquisa? Sugiro a leitura de Márcia Kersten. Os rituais de tombamento e a escrita da história. Curitiba (2000).
ResponderExcluirAbraços!
Atenciosamente, Pauliana Maria de Jesus( UESPI-UFPI)
Obrigada Pauliana pela sugestão de leitura, vamos ler sim. Sobre a sua pergunta infelizmente não há nenhuma Lei municipal que busque a preservação e tombamento dos mesmos. Inclusive há alguns anos a própria prefeitura mandou demolir também neste bairro a primeira delegacia e câmara de vereadores que também era considerada como parte deste Patrimônio material. A demolição gerou divergencias entre a população e as autoridades, parte mostrou- se satisfeita pois no lugar foi contruído uma escola, e parte ficou desolada com tamanha falta de consciência do poder público.
ExcluirEntendi, dessa forma a pesquisa de vocês ainda se torna mais relevante não só pelo valor histórico como também pelo caráter social quem sabe, não despertem interesses das autoridades públicas ou estimulem a própria sociedade a terem essa consciência de valorização de patrimônio histórico da sua cidade! Boa sorte com seu trabalho e espero que continue ampliando sua pesquisa com essa temática.
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ResponderExcluirOlá, Parabéns pelo trabalho, muito interessante, quando falamos de memória, ao meu ver buscar fontes primárias, relatos de moradores que conhecem bem a história , trás um brilhantismo ao trabalho. Me encantei com trabalho de vocês. As imagens gostei muito, excelente trabalho.
ResponderExcluirAline da Silva Moraes - UFMA
O patrimônio histórico faz parte de um determinado lugar, onde se encontra, é muito importante conhecê-lo bem para que se possa buscar ações que venham preservá-los, para que gerações futuras consigam conhecer e se gratificar com sua história local. A memória popular ajudar a construir uma historia oral brilhante e que é preciso ser buscado e valorizado. Trabalhos como este que valoriza esses pontos da história, simplesmente me encantam, ainda mais ao se tratar do Maranhão, meu estado amado. Mais uma vez, parabéns autoras.
ResponderExcluirAline da Silva Moraes - UFMA
Obrigada pelas considerações Aline! É a nossa intenção chamar atenção da população e do poder público para a importância histórica desses casarões.
ResponderExcluirAbraços!!!
Parabéns pelo conteúdo pesquisado
ResponderExcluirBelo trabalho
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