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NO RITMO DA FOLIA: O CARNAVAL TERESINENSE E SUAS TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS NO COMEÇO DO SÉCULO XX


Fransuel Lima de Barros
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História do Brasil pela UFPI. Professor substituto de História pela Universidade Estadual do Piauí. Tutor à Distância do Curso de Licenciatura Plena em História no Centro de Educação Aberta e Distância da Universidade Federal do Piauí. E-mail: fransuellima@gmail.com.


Resumo: Esse trabalho tem como objetivo analisar as transformações históricas que ocorreram no Carnaval teresinense entre os anos de 1900 a 1930. Destaca-se principalmente duas posturas: a primeira ligada a cronistas que almejavam uma festividade que representasse o progresso e o adiantamento de Teresina (carnavais particulares), e a segunda uma postura mais tradicional, ligada a igreja católica, os quais viam na festividade, sobretudo as festejadas nas ruas, uma folia que precisava ser combatida, pois, para eles, incentivava vários tipos de vícios como a ociosidade, a libertinagem e outros comportamentos que iam de encontro a uma capital civilizada. A metodologia utilizada, foi as crônicas publicadas nos jornais locais, pois elas possuem uma relação direta com o cotidiano e a própria memória da cidade. As análises revelam que por trás da história metódica e hierarquizada, o Carnaval tem muitas outras versões, contadas e interpretadas por quem viveu o período.  

Palavras-Chave: História. Carnaval. Teresina. Crônica. Civilização.


São várias as denominações dadas ao Carnaval em seu percurso histórico. Reinado de Momo, dias de folia, tempo de loucura, rito de diversão, festa nacional etc. A festa do Momo foi definida, no século XX, com uma nova roupagem, em que há a desqualificação do jogo das molhadeiras e ganha destaque o modelo de carnaval veneziano (PEREIRA, 1994, p. 195). Esse carnaval, com fortes ligações com as formas de folguedo europeu, apresenta caráter mais comportado e civilizado e passa a privilegiar os bailes e passeios de mascarados pelas ruas das cidades.
O carnaval brasileiro herdou diversas características do Entrudo Português e dos Carnavais de Veneza e Nice. O Entrudo, durante o século XIX, sofreu grande perseguição por parte da imprensa e das elites urbanas, que viam naquela forma de lazer uma prática de caráter “incivilizada”[1] e “bárbara” (SILVA, 2010, v. 2, p. 5). De acordo com Tito Filho (1959, p. 1), a festa do Momo, em Teresina, até 1859, era muito modesta e consistia, quase que exclusivamente, no entrudo.
No primeiro momento, conhecido como entrudo familiar, brincava-se entre os membros de um mesmo nível social e funcionava como um ambiente de interação social. O lazer era praticado nos salões das melhores famílias, seja na forma de guerra entre famílias ou em ataques pela sacada das casas, utilizando-se como “arma” banhos e limões de cheiro (PEREIRA, 1994, p. 32). Em um segundo momento, conhecido como entrudo externo, era praticado na rua. Eneida Moraes (1987), ao pesquisar a História do Carnaval Carioca, disse ser uma diversão “porca e brutal”, aquela com que se festeja nos tempos de Colônia e Império, refletindo os hábitos dos portugueses. Utilizavam-se água suja, groselha, tinta e até lama. Porém, esse modelo de folia passou a ser combatido em todo o território brasileiro e, em Teresina de 1859, segundo Tito Filho, percebeu-se o gradual desaparecimento do carnaval das “molhadeiras”:

Em 1859 começou a desaparecer o entrudo. Houve o primeiro carnaval em Teresina. Fundou-se uma sociedade carnavalesca. Brincou-se de domingo a terça. Bailes de máscaras no Teatro Santa Teresa. Desfile de música e cavalheiros mascarados pelas ruas. Rapazes já se fantasiavam vestidos de mulheres. (TITO FILHO, 1959, p. 23)

O processo de tornar o carnaval a festa da civilização teresinense esteve presente na escrita de alguns cronistas locais, que a todo momento esboçavam como a festividade deveria ser praticada. Suas crônicas eram atravessadas por mensagens “pedagógicas”, que pretendiam fazer do lazer uma festa homogênea, capaz de representar a imagem harmônica e civilizada. No entanto, como o próprio Leonardo Pereira (1994, p. 197) indica, devemos captar nas linhas ou entrelinhas das produções dos cronistas, as pistas para que se pudesse ver o carnaval em sua diversidade, como um momento de embates sociais. Exemplo desse embate são as organizações carnavalescas do início do século, em Teresina, em que se tinha forte crítica aos participantes das festividades. Tomando uma postura de incentivador da festa de Momo, Jônatas Batista (1985, p. 119) apontava aquelas pessoas que criticavam as iniciativas de realização das atividades como “assassinos inconscientes de toda e qualquer boa ideia, entendedores de tudo, mas incapazes de promover ou levar a efeito coisa nenhuma”.  
Ainda nesses anos de consolidação do carnaval na cidade, os redatores do jornal Alvorada tiveram a iniciativa de reaver a antiga festa do Momo. Entretanto, decidiram chamar para organizá-la críticos da cultura teresinense. O resultado, segundo o periódico, foi uma festa com poucas fantasias e sem expressão. Batista (1985, p. 120) relatou que havia “dois máscaras, montados em um só jumento, sempre com a célebre frase para as pessoas que tiveram a desgraça de encontrá-los: você me conhece? e nada mais”. Para o cronista, as censuras e julgamentos feitos ao carnaval prejudicavam muito a festa popular, pois as famílias se sentiam intimidadas diante dos boatos que percorriam a cidade. Isso acabou se tornando uma perda para a sociedade que almejava a civilização, pois, como o próprio literato declarou, “as diversões fazem também com que se possa fazer um seguro juízo do progresso e do adiantamento”.
A. Tito Filho, no seu livro Os carnavais teresinenses, observa as transformações históricas do festejo ao longo do século XX.  A intenção é “perceber a complexidade dessa forma de expressão, de grande riqueza para o descortínio das atitudes, valores e comportamentos dos diversos grupos sociais”. (SOIHET,  1998, p. 9)
Diante desse recorte, a abordagem recairá entre os anos de 1900 e 1930, onde, segundo Tito Filho (1959, p. 25), a atração teve bons e maus momentos. Inicialmente, quando Teresina possuía características de uma urbe provinciana a principal atração eram os folguedos. Porém, a partir do ano de 1905, a cidade de Teresina passou por pequenos desenvolvimentos urbanos, o que resultou em um maior envolvimento da população e o surgimento de clubes, como Dragões de Averno (1906), que promovia bailes e batalha de confetes, e dos Fenianos (1907), que percorria as ruas da cidade com carros alegóricos.
Figura 1 - Manifestações carnavalescas

Fonte: O Obuz. Teresina [1926?]

Na compreensão do autor supracitado, depois desse início animador, teve-se nos anos seguintes pouco destaque à sociabilidade, em que se configurou um Carnaval sem grandes atrativos. Porém, os anos de 1913 e 1914 fogem a regra e acabavam ficando na lembrança dos teresinenses como momentos de diversão. Em 1914, por exemplo, a coluna de crônica intitulada Furos, do Diário do Piauí, traz à tona o envolvimento da população em torno da festividade, e mostra como a festividade acabou funcionando como uma válvula de escape as rotinas diárias da vida urbana:

[...] devido à febre do entusiasmo carnavalesco, um certo bacharel já prorrogou por 6 vezes a sua volta ao interior, não sabendo se ficará para os bailes. As coisas estão neste pé. Da criança a velhos, só se ouve falar nos disfarces, nas fantasias. Uns indagam nas lojas de moda; outros, fazendo da indiscrição um direito, perguntam sobre as cores com que se apresentarão; outros, fazendo conjecturas, traduzem os sonhos como se jogassem o bicho; e outros ainda, recorrendo a milagres de cartomancia, procuram descobrir os trajes. (FUROS, 18 fev. 1914, p.1)

A euforia, nesse emblemático ano era evidente. No relato acima, é possível vislumbrar os efeitos que o lazer provocava no cotidiano teresinense. Caracterizado pelo espírito irreverente e envolvente, o Carnaval transmite alegria e divertimento para os seus participantes, que são contagiados pela ansiedade e incitados pelo desejo e pela aparente liberdade de poder fazer tudo o que não é permitido durante o ano nos três dias de festa. Muitos acabavam abandonando sua profissão por longo período, como o caso do advogado que retardou sua rotina de trabalho, para prolongar seus dias festivos. Exemplo esse que muito lembra os ensinamentos de Peter Burke ( 2001, p.27-30), ao relatar que o período carnavalesco era um palco de “permissividade relativa”, de agitações afloradas, um tempo percebido como “liberdade universal” pelos participantes, que parece deter uma sensação de poder e de impunidade durante os dias de folia, pois se tem a sensação de um afrouxamento consentido das regras, em que os limites entre o lícito e o ilícito tornam-se mais tênues.
Ainda no ano de 1914, um cronista do Diário do Piauí relata o sucesso do Carnaval naquela data, em que se pôde contar com boa música e a presença de gente elegante, principalmente, o governador do Estado, Miguel Rosa, junto com mulher e filha. Ele assim escreveu:

Excedeu a toda a expectativa a batalha de lança-perfume anteontem, no jardim da Praça Rio Branco. Não só pelo número e seleção da concorrência, como pelo entusiasmo que reinou. A música do corpo militar de polícia, sempre correta e afinada, ali chegou 5 horas da tarde [...]. [Assim] começaram a fluir grupos de encantadoras crianças e senhoritas, respeitáveis senhoras e cavalheiros, que desembocavam na vasta praça do jardim, por todas as ruas. Às 5:12, a batalha se generalizara e não eram respeitados simples minorias desarmadas, em cujo número se encontrava o exmº sr. Governador do estado, que compareceu ao jardim acompanhado de madame e mademoiselle Miguel Rosa (Grifo nosso).  (CARNAVAL, 17 fev. 1914, p. 3)

É oportuno observar como os periódicos, através de seus “mosqueteiros intelectuais”, difundem a imagem de uma festividade que conta com gente educada e fina. Ao analisar as crônicas sobre Carnaval em Porto Alegre, Alexandre Lazzari (2001) percebeu um discurso recorrente entre a maioria dos cronistas, onde dizia que o verdadeiro carnaval estava ligado à classe distinta, abastada, pois a sociabilidade deveria distinguir os indivíduos, ou então, as posições sociais perderiam o seu real sentido. Assim como cronistas gaúchos, as inclinações dos cronistas teresinenses iam de encontro ao que foi defendido por eles. A tentativa de tornar o Carnaval uma festa grande e desenvolvida, mesmo que isso representasse a exclusão do “povo”, significava um projeto de cidade em progresso.
Em 1919, o Carnaval vivia sob constantes críticas. Jônatas Batista (1985, p. 120) asseverava que “Teresina estava se tornando uma cidade sem alma, sem vida, sem alegria. Uma verdadeira cidade morta”. Enquanto em cidades como Paris e Veneza, referência nesse tipo de comemoração, a população festejava com grande alegria os três dias de Carnaval, como um momento em que todos se reuniam para comemorar a grande festa popular. Em Teresina, a população vivia uma

fase de transformações lentas, demoradas, em que se dá a luta terrível do progresso contra o costume rotineiro de um povo, em que tudo fala, tudo reprova, tudo comenta, pelo simples prazer de falar, de reprovar, de comentar. Diante disso, as famílias fogem, e com toda razão, dos teatros, bailes e festas. (BATISTA, 1985, p. 120)

Em tese, tinha-se uma festa quase sem a participação popular e com pouca expressão. Nesse sentido, Batista (1985, p.120) impunha uma linha de defesa na qual era preciso combater esse costume e deixar “que cada um responda por seus atos, bons ou maus, procurando corrigir seus vícios próprios, antes de querer corrigir os erros dos outros”. E conclui afirmando que as pessoas que se importam com a arte e cultura teresinense precisariam tomar a frente dessa festa popular, que tanto distrai o povo da vida dura que ele leva. 
O festejo de Momo só voltou a crescer e ganhar novamente destaque a partir da década de 1920, quando houve grande comoção popular, em que se brincava e dançava numa alegria nunca vista. (TITO FILHO, 1959, p. 27) Foi durante esse período que a Praça Rio Branco tornou-se o principal ponto de encontro entre os foliões em Teresina. Os dias dos foliões eram preenchidos por Zé Pereira, Bailes, Batalhas de lança-perfume e Confetes. Além das manifestações de rua, onde as pessoas de diferentes classes sociais se divertiam sem muitas restrições, a elite patrocinava um Carnaval elegante em locais privados, onde o acesso era limitado a seus pares. Essas festas eram organizadas por grupos carnavalesco que tinham como objetivo criar um carnaval civilizado. Destacam-se entre os clubes: Os Fanfarrões (1921); Bloco da Folia (1922); Assembleia Teresinense (1924); Clube dos Fenianos (novamente fundado em 1925).

Figura 2 - Praça Rio Branco, 1925.
                                           Fonte: Acervo do Arquivo Público do Piauí      


Diante da infinidade de clubes e blocos que surgiram na década de 1920, merece destaque O Petit Clube, que dava um baile toda tarde de domingo, em sua sede, na Praça Rio Branco.

Às 17 horas, corso de automóveis, na praça Rio Branco à praça Deodoro, usando-se serpentina, lança-perfume e confete. Músicas mais tocadas: sambas, tangos e maxixes. Do corso participaram dois caminhões: um lindamente enfeitado, conduzia senhoras, senhoritas e cavalheiros; o outro levava a orquestra. Jônatas Batista improvisava versos num automóvel. Muito luxo nos bailes do Clube dos Diários. (TITO FILHO, 1959, p. 30)

Com efeito, a elite teresinense delimitava o seu espaço no Carnaval. Em vários momentos, os membros das famílias ricas brincavam o corso e as batalhas de confetes na Praça Rio Branco, dividindo o espaço público com pessoas de classe média e pobres. Porém, em outras ocasiões, recolhiam-se em seus elegantes clubes, onde a diversão era restrita apenas àquele seleto grupo da elite. Na versão de Castelo Branco (2013, p. 58), na entrada dos salões de festa era exigido convite, o que barrava as pessoas de menor poder aquisitivo. Além disso, a maioria dos bailes era de fantasias, o que dava um toque de refinamento e atraía a curiosidade de várias pessoas que se aglomeravam na parte de fora dos clubes, nos chamados serenos.
Um cronista anônimo do jornal O Obuz relata que, na quarta-feira de cinzas do ano de 1926, “o clube dos Batutas se transformará em Centro Familiar Teresinense, sociedade perpétua recreativa, com aula de música e declamação de jogos e bebidas não proibidas”. ( CARNAVAL DO BICENTENÁRIO, [1926?],  p. 4) A forma bem delineada de organização do lazer veio se eternizando ao longo dos anos entre as classes mais abastadas e, em 1927, diante desse novo panorama carnavalesco, foram criados novos clubes, grupos fantasiados e uma inovação do corso, que ganha o requinte dos carros automotores percorrendo as ruas próximas à Praça Rio Branco.
            Em 1923, ocorreu um fato curioso no Carnaval de Teresina que merece ser destacado. O cronista do jornal O Arrebol relata que, devido ao mau tempo, muitos blocos viram-se obrigados a não sair com seus disfarces, limitando-se exclusivamente aos bailes para onde eles se dirigiram. Porém, o Bloco da Folia contrariou essa lógica dos carnavais dos clubes e, não obstante o mau tempo, desfilou pelas ruas de Teresina, e “cumpriu a contento o seu itinerário de passeio às casas combinadas, agradando geralmente como de costume”. (CARNAVAL, 18 fev. 1923, p. 23)
Registre-se que havia, em grande parte dos cronistas, uma preocupação em vincular as festividades ao universo das elites letradas e políticas, onde eles tinham a função de transformar a opinião pública, criando um modelo de sociedade baseado na civilidade. Compreende, assim, uma forte inclinação para os carnavais brincados nos clubes e um maior “controle” para os carnavais brincados nas ruas.
Brincar o carnaval poderia também acarretar em atos disciplinares prescritos pela Igreja católica. Por volta de 1926 foi divulgado no jornal O Obuz, na coluna Atos de Contrição, que descreve que seriam comungados, na quarta-feira de cinzas, os “diversos endiabrados” que se deixassem contaminar pela festa da carne. O Monsenhor Pedro Mendes, diretor espiritual, foi o responsável pelas diversas penitências aos foliões, destacando-se duas: a aplicada a Dota Oliveira, que não deveria falar com pessoa alguma durante a quarentena, e a recebida por Francisco Freire, que deveria viajar a pé de Teresina a Caxias. (ATOS DE CONTRIÇÃO, [1926?], p. 1)
Nessas duas crônicas, há diferentes críticas ao Carnaval. A primeira mostra o ócio vivido pela juventude durante o período carnavalesco, isso porque o assunto tornou-se modismo nos meios sociais e fez com que os jovens não fizessem outra coisa senão pensar na festividade. A segunda tem um caráter mais de redenção, em que, através da penitência, o praticante se purificaria dos pecados cometidos nos dias de folia. Diferente de grupos de literatos que viam no Carnaval uma porta para uma sociedade civilizada, um grupo de cronistas ligado à igreja católica difundia um discurso moralizador, o qual, através de mensagens disciplinadoras, punha a festa como um problema social antes do individual. O historiador Pedro Vilarinho (2013, p.55) recorda que, em 1908, o jornal católico O Apóstolo imputava ao Carnaval o causador de ruína das famílias cristãs bem como os desvios morais e de bons costumes dos teresinenses.  
Nesse cenário, o carnaval teresinense, até a década de 20, esteve restrito basicamente a bailes em clubes e residências particulares. Dessa data até os anos 30, encontrava-se quase que totalmente limitado aos clubes, por isso a fundação de vários deles durante esse período. Os indícios que os cronistas deixam nos levam a concluir que havia um forte discurso para passar a imagem do Carnaval como uma festa elitizada e restrita a certos espaços privados.
Assim, a história do Carnaval teresinense configura-se como uma sociabilidade de múltiplas faces, fruto de diferentes significados atribuídos pelos muitos foliões. Percebe-se, então, uma fragmentação refletida em diversas posturas, sobressaindo duas mais atuantes, a ligada aos cronistas, que almejavam no Carnaval uma diversão que representasse o progresso e aditamento de Teresina; e os ligados à igreja católica, os quais viam na festividade, sobretudo as festejadas nas ruas, uma folia que precisava ser combatida, pois, para eles, incentivava vários tipos de vícios como a ociosidade, a libertinagem e outros comportamentos que feriam a moral e os bons costumes.
Nesse sentido, os cronistas nos dão a chave para evidenciar as construções que eles mesmos pretendiam afirmar em relação à festa do Momo. Eles corroboram que, por trás da história metódica e hierarquizada, o Carnaval tem muitas outras versões, contadas e interpretadas por quem viveu o período. Desse modo, vislumbra-se que a folia de Momo estava atravessada tanto por discursos tradicionais como modernos. Isso porque, embora a elite se fechasse em seus luxuosos bailes, havia aqueles momentos tradicionais nas ruas da cidade onde acontecia o encontro entre diferentes classes sociais nas famosas batalhas de confetes.




Referências

ATOS de contrição. O Obuz, Teresina, ano 3, n. 4, [1926?].

BATISTA, Jônatas. Poesia e Prosa. Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1985.

BURKE, Peter. O carnaval de Veneza. In: CUNHA, Maria Clementina Pereira. (Org.). Carnavais e outras f(r)estas: ensaios de história social da cultura. Campinas: Unicamp/CECULT, 2001, (Coleção Várias Histórias).

CARNAVAL do bicentenário. O Obuz, Teresina, ano 2, n. 4, [1926?].

CARNAVAL. Diário do Piauí, Teresina, ano IV, n. 38, 17 fev. 1914.

CARNAVAL. O Arrebol, Teresina, ano 9, n. 29, 18 fev. 1923.

CASTELO BRANCO, Pedro Vilarinho. Mulheres plurais: a condição feminina na primeira república. Teresina: EDUFPI, 2013.

CUNHA, Maria Clementina Pereira. Vários Zés, um sobrenome: as muitas faces do senhor Pereira no carnaval carioca da virada do século. In: CUNHA, M.C.P. (Org.). Carnavais e outras f(r)estas: ensaios de história social da cultura. Campinas: Unicamp/CECULT, 2001. (Coleção Várias Histórias).

FUROS. Diário do Piauí, Teresina, ano 4, n. 39, 18 fev., 1914.

LAZZARI, Alexandre. Coisas para o povo não fazer: carnaval em Porto Alegre (1870-1915). Campinas: Unicamp/CECULT, 2001.

MORAES, Eneida de. História do carnaval carioca. Rio de Janeiro: Record, 1987.

PEREIRA, Leonardo A. de M. O carnaval das letras. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1994.

SILVA, Augusto Neves da. Reflexões sobre o carnaval e samba na historiografia brasileira. Revista da UFPE, v. 2, n. 2, p. 5, 2010.

SOIHET, R. Reflexões sobre o carnaval na historiografia: algumas abordagens. Academia do samba. Publicado em 1998. Disponível em: <http://www.academiadosamba.com.br/monografias/raquelsoihet.pdf.>. Acesso em: 24 mar. 2010.

TITO FILHO, A. Os carnavais de Teresina, Teresina: Primeiro Século, 1959.




[1]  Conceito formulado através da análise da sociedade Ocidental e refere-se desde os desenvolvimentos técnico-científicos, maneiras, ideias religiosas e costumes, até os diferentes tipos de habitação ou mesmo o modo como homens e mulheres vivem juntos. Levando em consideração o discurso evolucionista entre o final do século XIX e início do XX, a civilização passa a configurar como algo que se opõe à barbárie e carrega em sua essência a noção de futuro, de progresso, em oposição a passado e a atraso.

Comentários

  1. Olá Fransuel, você mencionou que a " metodologia utilizada, foi as crônicas publicadas nos jornais locais", como teve acesso a esse material?!

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  2. Olá Sônia. Esse material faz parte do acervo coletado para minha dissertação de mestrado. Mas respondendo sua pergunta conseguir parte desse material no arquivo no PET (Programa de Educação Tutorial)-História/UFPI, onde os jornais pesquisados estão todos digitalizados; no Arquivo Público de Teresina, porém neste caso, esses periódicos já foram lacrados; NUJOC (Núcleo de Pesquisa em Jornalismo e Comunicação), coordenada por Ana Regina Rêgo. Neste último caso, você pode acessar o material todo pelo site.

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    1. Um material muito rico por sinal e é maravilhoso ter acesso a seu trabalho, me chamou a atenção o fato de ter todo esse material digitalizado, algo que não é tão comum.
      Sônia Oracilio Duarte (Unioeste)

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  3. As crônicas nos possibilita ter uma conexão direta com o cotidiano da cidade. Esses cronistas é como possuísse uma lente de aumento e nos mostrasse os pequenos fatos, as "coisa miúdas". No caso do Carnaval Teresinense, esses "paladinos intelectuais" mostram a pluralidade desta festividade.
    Quanto mais pesquiso sobre essas fontes mais me encanto.

    Fransuel Lima de Barros (UESPI)

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  4. Prof. Esp. Julio Cesar Alves Pereira Nunes31 de julho de 2019 às 19:22

    Olá, Fransuel Lima de Barros. Agradeço a sua submissão de trabalho ao presente GT. Ressalto a qualidade narrativa do texto, bem como a problematização contundente das fontes apresentadas. O recorte escolhido traz uma visão interessante do desenvolvimento do carnaval na cidade de Teresina. Como você expõe, essa festividade se transformou durante as três primeiras décadas do século XX em diversos sentidos.

    A contradição entre o progresso visado por alguns setores da sociedade e a postura tradicional da Igreja Católica demonstra uma faceta social de constantes conflitos, que consequentemente prejudicavam seu desenvolvimento estrutural, econômico, e na presente discussão, cultural. Nesse caso, o carnaval dividiu uma sociedade que já se caracterizava como desigual. A elitização de uma festa popular é um tema complexo e que reverbera nos dias de hoje.

    Tenho um questionamento a fazer: Como você citou no comentário acima, esse trabalho faz parte de sua dissertação de mestrado. As imagens utilizadas na sua pesquisa foram em caráter ilustrativo ou você as analisou? A pergunta pode se estender a pesquisa em geral...

    No mais, o parabenizo pela qualidade e zelo com que trata seu objeto.

    Prof. Esp. Julio Cesar Alves Pereira Nunes (PPGHB-UFPI)





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    1. Júlio Cesar fico grato pela leitura atenciosa feita do meu trabalho. As imagens utilizadas no caso do artigo foram ilustrativas, visto que não tinha objetivo de caminhar pelo viés da história e imagem. O que não quer dizer, que outros pesquisadores venham a contribuir com essa vertente. Mas utilizei para que o leitor visualizasse a cidade de Teresina, não apenas através da minha escrita, mas em imagens do período. Porém, esse artigo, faz parte de uma pesquisa maior, onde trabalho as sociabilidades teresinenses no início do século XX, tomando como pano de fundo como seu deu a construção do homem moderno neste período. E em outra parte do trabalho, faço uma análise das imagens dos remédios publicados nos periódicos locais, que prometiam cura milagrosas.

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  5. Bom dia!
    Parabéns pelo artigo!
    Gostaria de saber se na sua pesquisa existe alguma relação com carnaval contemporâneo de Teresina, se existe alguma continuidade entre o carnaval do seu recorte temporal e o dos dias atuais?

    Adomiran Moreira de Araújo Junior- Universidade da Amazônia (UNAMA)

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  6. Como a pesquisa é apenas das três primeira décadas do século XX, podemos fazer apenas algumas conjecturas sobre a influência sobre o carnaval contemporâneo, visto que existe um lapso de tempo muito grande, entre o período pesquisado e a contemporaneidade. O regaste do carnaval de rua, principalmente o corso, ganha destaque em 2010, entrando inclusive para o livro dos recodes , como o maior desfile de carros enfeitados do mundo, embora tenha sido decidido seu retorno ainda em 1997, na gestão do prefeito Firmino Filho. Porém a popularização a partir de 2010, precisa ser investigada. O corso surge em Teresina com o aparecimento dos primeiros automóveis entre as décadas de 1930 e 1940. No final dos anos sessenta o corso desapareceu com o surgimento das primeiras escolas de samba. Outro fato que também precisa ser pesquisado com maior afinco.
    Vale ressaltar que entre os anos de 1960 e 2000, prevaleceu os carnavais particulares, brincados em clubes ou mesmo com o formato das escolas de samba. Atualmente as escolas de samba em Teresina, vem cada vem mais perdendo espaço.

    Fransuel Lima de Barros (UESPI/ CEAD-UFPI)

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  7. Olá! Achei bem interessante sua pesquisa. Um dos pontos que me chamou atenção foi a atuação da igreja naquele contexto, e as estratégias utilizadas por ela para estabelecer certo controle nas manifestações do povo, como foi o caso dos discursos nos jornais da época. É interessante observar o quanto esse controle sobre o povo, por parte da religião cristã, sempre se faz presente e acentua nesse período do ano, das comemorações carnavalescas, algo que vem muito fortemente desde o período medieval. Então é algo importante de se observar, o quanto são aliadas estratégias para manter controle sobre a população, como nesse caso de Teresina e o carnaval dessa época: por um lado, os discursos que buscavam incutir a ideia de carnaval organizado, como reflexo de progresso, de civilidade, expresso principalmente pelas elites da época; por outro lado, o discurso de um carnaval que deveria ser combatido, aí tem aquela coisa do pecado e tal, pregado pela religião. E isso tudo reverberando nos jornais, né, nos discursos de grande circulação. Então eram formas de controlar o povo, e que, de algum modo, ainda têm resquícios na atualidade.
    Muito boa a pesquisa.

    Rafael Souza Ferreira (UFPA)

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