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DE ESCOLA RURAL A CENTRO INTEGRAL DE EDUCAÇÃO: A TRAJETÓRIA DA ESCOLA RAMA BOA E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA EDUCAÇÃO DE ALTOS-PI


Ivan Francisco Viana de Lima
Graduado em História pela Universidade Estadual do Piauí e Especialista em Patrimônio Cultural -UESPI


Resumo: A história da escola Rama Boa tem forte relação com o contexto sociocultural vivido pela cidade de Altos-PI na passagem da primeira para a segunda metade do século 20. No período de sua fundação, o município tinha uma população predominantemente rural vivendo da produção da agricultura de subsistência e do comércio de pequenos produtos na feira local. Nesse contexto, prevalece a educação informal e o conhecimento é pautado na transmissão entre as gerações. Assim, em 1953, é instalada a escola Rama Boa, no perímetro suburbano da cidade, contemplando com uma educação formal vários indivíduos que viviam nas áreas rurais.  Assim, o presente artigo tem como objetivo pesquisar a história da escola Rama Boa e sua contribuição para o desenvolvimento da educação pública na cidade de Altos-PI.

Palavras-Chave: Educação. Rama Boa. Altos-PI


Introdução

A história da escola Rama Boa está diretamente relacionada ao processo de desenvolvimento da educação no país, no Piauí e em Altos-PI. Isso porque o processo de consolidação do ensino público passou por várias fases ao longo do tempo, e a abertura da escola e seu processo de desenvolvimento segue o modelo de ensino e as estruturas disponíveis e/ou oferecida no momento de sua instalação.
A escola herdou o nome do lugar onde foi construída; assim, não só recebendo influência do local como também ajudou a transformar o espaço onde se situava. O que hoje é considerado como centro da cidade, na época era coberto de matagais, com o predomínio do modo de vida ruralesco das pessoas que, por seus costumes ancestrais, batizavam essas localidades com o que mais tinham em comum. Assim, além da Rama Boa, havia (e ainda há) nas proximidades, as localidades (hoje bairros) Leite, Bacurizeiro, etc. passaram a contar com uma educação formal.
Na década de 1950, quando a escola iniciou suas atividades, o território onde foi inserida não estava no perímetro urbano, compreendia a área suburbana da cidade, por isso foi instalada como escola rural. A educação formal em instituições próprias não chegava a toda à população, os aspectos rurais predominavam e o conhecimento era adquirido com a prática diária. Mesmo com o vulto de urbanização que assolou o país na década de 1930, a cidade de Altos-PI, ainda muito jovem (emancipada em 1922), mantinha-se predominantemente rural. Desse período, os documentos oficiais são praticamente inexistentes, sendo mais profícuos em momentos posteriores.
Nas décadas de 1960, 1970 e 1980, com base nos arquivos documentais da escola, percebeu-se uma predominância do ruralismo, constando-se nas fichas de matrícula dos alunos desse período as informações pessoais de pais e responsáveis, registrando-se nestas as profissões ligadas aos setores agrícolas. Predominava a profissão de lavrador para os homens enquanto as mulheres eram definidas como “domésticas” ou “do lar”.
             Até 2016 a escola funcionava com a modalidade normal, do sexto ao nono ano, no ano seguinte (2017) passou a funcionar como escola integral – Centro Integral de Educação, CETI Rama Boa. Nessa modalidade os alunos passam mais tempo na escola e desenvolvem outras atividades, além de estudar o conteúdo do livro didático.
Assim, o artigo tem como objetivo pesquisar a história da Escola Rama Boa e sua contribuição para o desenvolvimento da educação pública na cidade de Altos-PI.

A História da Educação em Altos-PI

A educação sempre esteve presente nos mais diversos espaços socioculturais, moldando o homem para desempenhar seu papel perante a sociedade e de acordo com a realidade dos seus espaços de atuação.  Por isso, numa sociedade altamente hierarquizada, o ensino se distinguiu de forma a contemplar cada classe de acordo com as necessidades impostas pelo meio social.
Retratando a sociedade, o sistema educacional brasileiro fora, até então, um sistema acentuadamente dualista: de um lado, o ensino primário, vinculado às escolas profissionais, para os pobres, de outro, para os ricos, o ensino secundário articulado ao ensino superior, para o qual preparará o ingresso (ROMANELLI, 2010, p. 71)

Nesse contexto, a educação informal também esteve muito presente. As letras não satisfaziam as necessidades imediatas de quem dependia do conhecimento prático e informal para sobreviver.  O trabalho duro “de sol a sol” era contemplado com uma educação prática, transmitida de uma geração a outra sem nenhuma formalidade. O vínculo com as áreas rurais não permitia outro tipo de educação, pelo menos para as classes mais baixas. Como por exemplo, “nas regiões com uma economia baseada no criatório, as experiências educacionais que floresceram ligavam-se, sobretudo, ao meio rural e a um saber prática, influenciando a história político-social dessas” (SOUSA NETO, 2013, p. 116). Isso ajudava a manter a desigualdade e a perpetuar a posição social dos indivíduos de classe baixa em funções subalternas enquanto os de famílias com mais posses, em posição social mais vantajosa, assumindo cargos e funções relevantes na sociedade.      
A organização de um ensino sistematizado e popular no Piauí tem os seus primeiros passos na segunda metade do século XIX. Pautado no discurso de salvação do país (QUEIROZ, 2017), a instrução primária iniciou um processo de desenvolvimento com estruturas muito precárias.
Até então, a instrução formal era privilégio de poucos, em geral, filhos de fazendeiros e pessoas de posse que recebiam esse tipo de educação. A outra parcela da sociedade voltada para o trabalho não dispunha desse privilégio. Educava-se para o trabalho, com conhecimento passado de geração em geração, o que garantia o sustento e a sobrevivência nos espaços onde o desenvolvimento das atividades econômicas mantinha extrema relação com a natureza e “a educação satisfaz acima de tudo necessidades sociais” (DURKHEIM, 2011, p. 30).
Nesse contexto foram criadas escolas profissionalizantes que se destinavam mais às classes desfavorecidas, chamadas escolas de “educação artífice”, como ficaram conhecidas, onde se aprendiam ofícios como os de: marceneiro, ourives, ferreiro, alfaiate, sapateiro e carapina. Esses ofícios eram voltados para o desenvolvimento do trabalho para as pessoas mais simples enquanto a educação das classes dominantes era destinada ao prosseguimento dos estudos.
O Colégio de Educação Artificie assinala o início do ensino profissionalizante e, pelas estruturas sociais vigentes, também o início do dualismo do ensino primário e médio, com um ramo destinado às classes dominantes e um ramo destinado às classes menos favorecidas, aquele de caráter propedêutico aos cursos subsequentes e este de caráter terminal (BRITO, 1996, p. 36).


Essa dualidade na oferta de ensino determina a atuação de cada classe e indivíduo, assinalando e legitimando uma desigualdade de oportunidades ao criar uma educação de “segundo nível”. Corrobora ainda com os postulados da educação tecnicista, tradicionalista, focada no aluno passivo, dócil, de vontades controladas pelo professor, que impõe-lhe a visão de mundo que devesse ter.
A instrução pública no município de Altos tem suas raízes na segunda metade do século XIX quando é criada a “Cadeira Mista” do povoado. Segundo Dias (2017), em 11 de março 1891, foi criada a Cadeira Mista da povoação de Altos, que se tornou a primeira escola pública; nesta mesma data fora também nomeada a primeira professora, Joana Abranches Saraiva, por ato do Governador do Piauí, Álvaro Moreira de Barros Oliveira Lima. Até esse momento, o território altoense não havia sido emancipado e desenvolvia-se sob a influência de políticos e/ou pessoas ligadas à política que conseguiam alguns recursos para o então povoado. Joana Abranches Saraiva era oriunda de família rica da região e recebera uma educação formal que lhe proporcionou a indicação para o posto que fora nomeada. Apesar da educação e do conhecimento com as letras, o que foi retratado por Bugyja Britto como dedicada e competente quando lhe examinou na sua promoção do segundo para o terceiro ano primário (FERREIRA, 2017, p. 138), a família Saraiva também mantinha muita influência na política local. Isso pode ter contribuído não só para a indicação, mas também para a criação de uma cadeira mista no povoado.
Na década de 1930 houve uma expansão das escolas primárias no Piauí. Por imposição legislativa, “no município de Altos [com advento da] Lei N. 1075, 20 de Fevereiro de 1930, é fundada uma escola mista no povoado de Coivaras, vale ressaltar que essas leis são vigoradas de acordo com a proposta do Conselho de Instrução Pública” (SILVA,  2012, p. 9). Assim, o povoado de Altos, que no final do século XIX, foi contemplado com uma escola mista, na década de 1930 amplia o acesso à educação formal com a fundação de mais uma escola mista em um dos seus povoados.
Apesar dos investimentos e da ampliação de escolas, os índices de analfabetismo nos municípios piauienses eram elevadíssimos. A maior parte da população do Estado do Piauí vivia nas zonas rurais e não tinha acesso às poucas escolas que ofereciam educação formal no estado. Até a década de 1950, a população altoense, segundo dados do recenseamento geral de 1950, era de 18.441, dividida entre as áreas rurais com 14.774 e urbanas com 3.646 habitantes. O índice de analfabetismo chegava a quase 85,3% da população com idade maior do que cinco anos.
Com número reduzido de escolas e a população vivendo em maior número nas áreas rurais, a educação formal não era acessível para grande parte da população. Vendo isso, o Estado constrói, através do Departamento de Educação, Serviço de Prédios Rurais – prédios escolares rurais para beneficiar a população que vivia no interior dos municípios.





            
Quadro 01 - Departamento da Educação [1]



                                            Serviços de Prédios Rurais
O departamento da Educação concluiu e instalou nos últimos três anos os prédios escolares rurais e grupos escolares constantes de relação abaixo


MUNICÍPIOS
1951
1952
1953
 Altos
   *
   *

Alto Longá
Amarante
Barras


3 – três Carnaúbas
   Santa Luz
   Sambaiba

1-Novo ato Antônio
1 – Muquilas
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2 – Sítio Novo
 Anajás
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1 – Rama Boa
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Fonte:  Revista Piauiense dos Municípios

No intervalo entre 1951 e 1953 consta que o município de Altos recebe 6 (seis) prédios para instalação de escolas primárias. Isso demonstra um interesse na ampliação do sistema educacional no interior do estado.
É nesse momento que a escola Rama Boa é instalada na área suburbana da cidade, como escola rural. A região compreendia um vasto território e que a partir de então seriam contemplados com uma educação formal. Nesse momento a escola oferecia um ensino primário em uma organização multisseriada.
As fichas individuais de rendimento e matrículas dos alunos da escola, com os dados de pais e responsáveis das décadas de 1960, 1970 e 1980, apontam para uma sociedade ainda muito ligada ao trabalho das áreas rurais. Na década de 1960 e 70 predominava os trabalhos de lavrador[2], para os homens. Nesse período a cidade de Altos ainda era muito simples e sua população mantinha uma relação muito forte com a lavoura. A economia do município girava em torno da produção de roças e no plantio de arroz, feijão e na produção dos derivados da mandioca como farinha, goma e puba. Esses aspectos predominavam e determinavam a forma de pensar e agir da sociedade. Enquanto os homens se voltavam para o trabalho, as mulheres eram responsáveis pelas tarefas domésticas. [3]
Apesar do crescimento do número de prédios escolares, a princípio nem todos funcionavam como deveriam. Faltavam profissionais na área da educação e investimento para estruturar os prédios já existentes.
Com toda dificuldade e sem uma estrutura a altura de uma escola integral, no ano de 2017, a escola passa a funcionar como Centro Integral de Educação- CETI Rama Boa a primeira da cidade a adotar a modalidade integral para o Ensino Médio. No primeiro ano de funcionamento (2017) apenas oitenta (80) alunos se matricularam para estudar em uma escola com esse novo formato, integral. Nos anos posteriores com o trabalho desenvolvido e o desempenho da escola nas atividades educacionais do município além do diferencial com a educação, o número de alunos triplica.

Conclusão

As transformações no campo da educação foram lentas. Apesar de haver momentos de expansão da educação formal, a estrutura social não estava preparada para receber uma instrução voltada para a própria sobrevivência com os recursos que tinha disponível. Longe dos grandes centros industriais, a cidade de Altos-PI mantinha-se, econômica e culturalmente, ligada a produção agrícola e ao conhecimento direcionado para as atividades de subsistência.
 A educação formal foi introduzida aos poucos. Contemplando primeiramente indivíduos de classe alta que tinha a sua disposição professores particulares e ou eram educados por suas mães nos seus lares. Com a expansão da oferta através de escolas públicas e gratuitas, a população menos favorecida pode ser contemplada. Apesar de elitizada, nesse momento a educação se tornou um pouco mais democrática. A escola Rama Boa é um bom exemplo do processo pelo qual a educação no município de Altos-PI se desenvolveu. Iniciou como escola rural dado os aspectos rurais da cidade, contemplado a população da zona rural do município, com o tempo a cidade cresce e a escola Rama Boa é incorporada ao centro urbano da cidade.








Referências

BRITO, Itamar Sousa. História da Educação no Piauí. Teresina: EDUFPI, 1996.

FERREIRA, Lorena Maria de. O estado, as normalistas e a infância em Teresina (1900-1940) (Dissertação de Mestrado) Teresina-PI, 2017.

Ficha de matricula. Rama Boa. 1960-1980.

QUEIROZ, Teresinha. Educação no Piauí: 1880-1930. Teresina: academia Piauiense de Letras, 2017.

SERVIÇOS DE PRÉDIOS RURAIS. Revista Piauiense dos Municípios. Teresina, Dezembro de 1953.

SILVA, Vilmara; BORGES FERRO, Maria do Amparo. A expansão da escola primária no Piauí-Brasil (1930-1961): leis e decretos. Parnaíba, Piauí.

SOUSA NETO, Marcelo de. Entre Vaqueiros e Fidalgos: sociedade, Política e educação no Piauí (1820-1850). Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2013.


[1] Revista Piauiense dos Municípios. Serviços de Prédios Rurais. Teresina, Dezembro de 1953.
[2] Ficha de matricula. Rama Boa. 1960 – 1980.
[3] Ficha de matricula. Rama Boa. 1960 – 1980.


Comentários

  1. Interessante a experiência, ela é um belo exemplo de História da Educação contemporânea.
    DAVISON HUGO ROCHA ALVES.

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  2. Parabéns pelo trabalho!
    Sua pesquisa traz subsídios para a compreensão do processo de desenvolvimento da educação no Brasil, particularmente em Altos, no Piauí. Você aborda em seu texto o percurso histórico que mostra o início da trajetória de desenvolvimento da Escola Rama Boa, essa discussão é necessária e também nos traz subsídios para conhecermos a história da educação do Piauí fazendo um preambulo que nos mostra que a educação sempre esteve presente nos diferentes espaços socioculturais, que a educação no decorrer do tempo vem buscando moldar o homem para desempenhar seu papel diante da sociedade conforme a realidades dos ambientes em que atua. Seu trabalho contribui para o entendimento da necessidade urgente que temos em debater sobre a história local, isso é essencial para que tenhamos o conhecimento da realidade e da força representativa que as instituições escolares exercem nos lugares onde estão localizadas. Você conseguiu abordar com muita propriedade essa temática.

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  3. A História da Educação é um campo vasto de conhecimento e a escola Rama Boa é um excelente exemplo do processo histórico da educação no município de Altos, no Estado do Piauí. A instituição educacional iniciou seu processo histórico como escola rural dado os aspectos rurais da cidade, daquele período contemplando a população da zona rural do município, no entanto com o tempo a cidade cresceu e a Escola Rama Boa passou a ser incorporada ao centro urbano da cidade, isso aconteceu com diversas escolas em vários municípios do nosso país. É importante que esse processo histórico tenha visibilidade em nossas discussões, pois um povo precisa conhecer suas raízes históricas.

    Nazaré do Socorro Bitencourt Viegas.

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  4. No seu trabalho você apresenta uma questão importante referente ao contexto histórico no qual foram criadas as escolas profissionalizantes ou escolas de “educação artífice” que se destinavam às classes menos favorecidas, nesses espaços as pessoas aprendiam ofícios, profissões. Esses ofícios eram voltados para o desenvolvimento do trabalho para as pessoas mais simples enquanto a educação das classes elitistas era destinada ao prosseguimento dos estudos para formação intelectual. Esse fato mostra que a educação desde os seus primórdios sempre foi excludente.

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  5. A discussão realizada em seu trabalho mostra questões importantes referentes ao poder que a escola possui de influenciar o lugar e transformar os espaços do entorno onde se localizam, interferindo no modo de vida das pessoas nos seus costumes, hábitos e atitudes. Assim, além da Escola Rama Boa, lócus da sua pesquisa, existem outras instituições escolares que influenciam os lugares onde se situam. Neste sentido, é imprescindível trazer para o cerne desta discussão o fato de que o ato pedagógico não é um simples instrumento de ensino, mas o princípio de uma Educação que reconhece a construção coletiva como aquela que possibilita a humanização dos sujeitos e convive com o conflito não para negar o outro, mas para reconhecer suas contribuições no processo de transformação individual, social e coletiva da história de ser de cada.

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