(RE) ESCRITAS DO ESPAÇO: HISTÓRIA, HISTORIOGRAFIA E MEMÓRIA DO CASARÃO PADRE SÁ PALACIO, EM PIRACURUCA-PI
Paulo
Tiago Fontenele Cardoso
Graduado em
licenciatura Plena em História (UESPI). Especialista em História do Brasil
(UCAM). Especialista em História, Cultura e Sociedade (UESPI). Atualmente é
professor da disciplina de História da Secretaria do Estado da Educação do
Piauí (Seduc-PI).
Pedro
Pio Fontineles Filho
Doutor em História Social
(UFC). Mestre e Especialista em História do Brasil (UFPI). Graduado em História
(UESPI). Graduado em Letras-inglês (UFPI). Professor do PPGHB (UFPI). Professor
do PROFHISTÓRIA/UESPI. Professor do Curso de História (UESPI/CCM). Membro do
Núcleo de Pesquisa em História e Educação (NUPEHED)
Resumo: O presente artigo visa analisar os aspectos
relacionados história e a memória do município de Piracuruca tomando como
objeto o prédio da antiga casa da intendência (hoje Casarão Padre Sá Palácio)
visto que tão construção está constantemente entrelaçada com a história da
cidade, pois seu espaço físico desde o século XIX vem abrigando de forma
contínua instituições e atividades responsáveis pelo desenvolvimento da cidade.
Metodologicamente o estudo deu-se pelo estudo de obras de historiadores locais
que versam sobre a história, memória e patrimônio histórico do município. Além
disso, as discussões de história e memória feitas por Le Goff (2012) e
Parreiras Horta (2008) foram importantes para se pensar as políticas e ações de
preservação e conservação considera-se que, em linhas gerais, as políticas
voltadas para o patrimônio arquitetônico da cidade ainda sofrem com a falta de
esclarecimentos acerca de noções conceituais relacionadas aos usos e funções
que cercam as posturas de valorização da materialidade urbana. Isso se dá pelos
conflitos que cercam, além da dimensão material, os aspectos das subjetivações
e da imaterialidade, como os sentimentos de pertencimento e de identidade dos
lugares de memória e os citadinos.
Palavras-chave: História. Cidade.
Memória.
Introdução
Piracuruca é uma cidade
localizada ao norte do Estado do Piauí, possui ainda um vasto acervo
arquitetônico de suas construções, insere-se nas cidades que testemunharam a
colonização, povoamento e desenvolvimento do estado. Ao observarmos suas
construções podemos ver de perto, sua formação religiosa, os períodos
econômicos pelos quais a cidade passou e o modo de habitar de sua antiga
população, pois “o desenho das ruas e das casas, das praças e dos templos, além
de conter as experiências daqueles que os construíram, denota o seu mundo” (ROLNIK,
2004). Sendo assim, as obras de arquiteturas das cidades são organismos vivos
capazes de serem lidos e decifrados.
Cada marca e traço
presente na arquitetura urbana da cidade denota uma referência do passado,
sendo este sempre revisitado quando há uma atualização permanente da memória,
pois “a cidade não conta o seu passado, ela o contem como na linha das mãos,
escrita nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das
escadas...”(CALVINO, 2001).
Piracuruca,
por ser uma povoação surgida ainda no século XVIII, detém um acervo de
construções com estilos arquitetônicos distintos, apresentando assim, em seu
perímetro urbano construções capazes de evidenciar o percurso de sua história,
fundamental para o processo de formação das identidades com os espaços
regionais e locais dos citadinos com a urbes, pois:
Andando pelas ruas de Piracuruca
é possível conhecer de perto a história da arquitetura piauiense. Com vários
estilos que marcaram cada época, suas construções mostram os períodos de
prosperidade, dificuldade e superação da sociedade piracuruquense. (ESCÓRCIO,
2003, p.18)
Através da perspectiva
do autor pode se sentir que o espaço em que se encontra o objeto de estudo em
questão pode ser entendido como sendo uma paisagem cultural, local esse onde as
marcas deixadas pelo tempo existem como o resultado de diferentes momentos
históricos que se cristalizam no espaço geográfico, no caso a paisagem é
formada pelas edificações existentes no entorno da Praça Irmãos Dantas, um dos
principais logradouros da cidade e de interessante importância histórica, pois
era nesse local que se desenrolava o
cotidiano da maioria da população e que no decorrer do tempo produziram uma
realidade transformando através de acréscimos ou eliminações resignificando
essa paisagem através do tempo. A importância social e histórica que o referido
prédio possui no entorno do centro histórico e patrimonial da cidade, pode ser
entendida com suas variações de significado para a história e a população da
cidade, onde o espaço passa por uma reapropriação no modo se sentir o casarão.
Nesse
sentido, destacar o casarão como objeto não é reduzir a análise. Pelo
contrário, é trabalhar com a noção de escala, como sugerem autores como
Geovanni Levi, que encabeçam princípios da micro-história. Princípios tais que
ressaltam que
Dado um episódio, um lugar, um documento, devemos aplicar
nele uma redução de escala. A micro-história é uma prática que implica o
rompimento de hábitos generalizantes. Não buscamos a generalização das
respostas, e sim das perguntas: quais são as perguntas que podemos criar e
aplicar também em situações totalmente diferentes? Sendo bem sintético: estamos
interessados na pergunta geral que emerge de uma situação local. (LEVI, 2009)
Não se pretende aqui dizer que o presente estudo está
sendo embasado nas teorias da micro-história, mas, sim, dizer que ela é
importante para compreender um dado objeto – o casarão – em suas inter-relações
com outras esferas, consideradas macro, como a rua, a praça, o bairro, a cidade. Assim,
o casarão é o fio condutor para o entendimento de sua história, mas não
unicamente. O casarão conduz para a (re) construção da história e da memória da
própria cidade.
Por esse diapasão, tomar o casarão como objeto é seguir o
lastro das pesquisas históricas que valorizam a cidade material, com todos os
seus componentes, na produção do próprio conhecimento histórico. Nesse “grande
acervo”, é necessário que cada “documento” seja pensado como integrante de tal
acervo. O casarão um desses que constituem esse acervo e seus registros, ao
longo do tempo, remetem aos diferentes usos, funções e significados que o
prédio foi tendo.
Aplicado-se
aos aspectos históricos e artísticos, o Casarão Padre Sá Palácio também se
constitui em um discurso sobre o passado cuja referencia é um conjunto de
valores arbitrados por determinados agentes sociais no sentido de legitimar
status vigentes. Insere-se nesse contesto o que Pierre Nora define como lugares
da memória: “locais materiais ou imateriais nos quais se encarnam ou
cristalizam as memórias de uma nação, e onde se cruzam memórias pessoais,
familiares ou de grupos: monumentos, uma igreja, um sabor, uma bandeira” (NORA
Apud PARREIRAS HORTA, 2008).
Relacionado à memória pode-se observar que os casarões
históricos são instrumentos que vinculam e fazem parte da memória de uma
civilização, de uma cidade e de um grupo social, pois “A memória, como
propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um
conjunto de funções psíquicas graças às quais o homem pode atualizar impressões
ou informações passadas, ou que ele representa como passadas” (LE GOFF, 2012).
O Casarão Padre Sá Palácio na memória
do município de Piracuruca
A
trajetória da história do município pode ser visualizada através de algumas de
suas construções, entre elas duas merecem especial destaque: a Igreja Matriz de
Nossa Senhora do Carmo e a antiga casa da Intendência, hoje casarão Padre Sá
Palácio, onde muito tempo foram
desenvolvidas atividades ligadas a diversos aspectos tais como educação, lazer,
diversão, justiça e serviços públicos, contribuindo assim com o crescimento da
cidade de Piracuruca nos aspectos mencionados. Ambas as construções estão
localizadas a Praça Irmãos Dantas, um dos principais logradouros públicos de
Piracuruca e considerado o marco zero de surgimento da cidade, pois no seu
entorno surgiram as primeiras residências, casas comerciais, prédios
administrativos e religioso, ou seja, a vida pulsante da cidade tinha como
cenário descrito.
Fig. 01- Casarão Padre Sá Palácio
O
Casarão Padre Sá Palácio pode ser nos tipos de construções caracterizadas como
sendo pertencentes ao ciclo do couro, pois são as mais antigas de Piracuruca, e
seu uso era quase totalmente residencial. Pertenciam principalmente aos
criadores de gado, visto que esta era a atividade econômica muita expressiva
principalmente no século XIX, época a qual pertence a maioria das residências
históricas localizadas no centro da cidade. Suas tipologias obedeciam a determinações de
Portugal, que expedia Cartas-Régias especificando o tipo de planta baixa e as
fachadas a serem seguidas. As Cartas-Régias, além das determinações
mencionadas, regulamentavam o traçado e o alinhamento das ruas, a construção de
praças, igrejas, etc., ou seja, de todo um aparato imobiliário civil e oficial.
Ainda
no século XVII, no entanto, as atitudes racionalizadoras do despotismo
esclarecido estenderam-se às normas de construção, que se tornaram mais
rígidas, buscando impor características tipicamente portuguesas às vilas e
cidades. Fixando-se critérios para definir a altura dos prédios, o alinhamento,
o número e o tamanho de portas e janelas, além de serem proibidas as urupemas
(cercas de taquara) ou de outros materiais que vedavam as construções, prejudicando
a estética e a ventilação. (WEHLING, 1999, p.260)
Segundo Dagoberto de Carvalho (1983) a
edificação em estudo foi construída ainda no início do século XIX a mando do
Padre José Monteiro de Sá Palácio, vigário da Freguesia de Piracuruca na época,
afim de nela fosse montada uma fábrica de fiação. A instalação de um
estabelecimento que beneficiasse a matéria prima produzida na região pode ser
pensada ao constatar que nas primeiras décadas do século XIX na povoação de
Piracuruca “os seus habitadores fazem grandes plantações de algodoeiros,
mandiocas e cannas d’assucar para aguardente e rapadura” (CASAL apud SILVA
FILHO, 2007).
Ainda relacionando-se
ao espaço regional, o Casarão Padre Sá Palácio faz parte das casas chamadas de
“moradas” e suas tipologias de construção foram influenciadas pela morada
inteira maranhense e adaptada as exigências e recursos locais. Ao ser adaptada
ao nosso meio físico a morada piauiense teve suas formas de construção
distintas em três tipos, a saber, meia morada, morada inteira e morada e meia,
cada um desses modos de construir a morada dependia das condições econômicas
dos proprietários. Ao observar as afirmações acima percebe-se que a estrutura
da construção em estudo enquadra-se na tipologia da morada inteira já que:
A
morada inteira era composta por um corredor central de acesso ladeado por duas
alcovas de cada lado, interligada entre si. Tal corredor dá acesso a uma
varanda de viver, área de maior convivência da casa. Desse corpo central
formado por um corredor, alcovas e varandas de viver, pela maior necessidade
dos cômodos, criam-se as “puxadas”, que podem ser unilaterais ou não. Nessas
“puxadas” estão, a cozinha, a despensa, o quarto de banho, depósitos, que dão
acesso para o quintal, onde encontra-se o pomar, horta e o poço. (ALBUQUERQUE,
2003, p.54)
Amparado na informação já
mencionada de que a possível primeira atividade a ser desenvolvida nas dependências
do casarão (fábrica de fiação) tem-se a possibilidade de se justificar que sua
função não foi primeiramente de uma moradia residencial, comum as demais
construções vizinhas já que:
Segue
a tipologia da arquitetura residencial tanto na implantação como na
compartimentação interna. Mas se afasta da natureza residencial pelos salões
frontais que remetem a função pública. O sistema construtivo de pedra e abobe,
pisos de ladrilhos de barro cozido, cobertura de carnaúba, a grande altura da
comeeira, além da compartimentação e localização na Praça da Matriz, colocam
esse imóvel entre os mais antigos da cidade, possivelmente da primeira metade
do século XIX, já de vergas em arco pleno com bandeiras em alvenaria e como faz
crer a data de 1838 sobre a porta de entrada. Como as demais não possui foro.
(SILVA FILHO, 2007, p.264)
Os
salões mencionados na citação acima se adequariam muito bem a arquitetura
industrial e, além disso, o prédio está localizado próximo a um curso de água,
elemento esse essencial aos estabelecimentos de produção, sejam eles grandes ou
pequenos. Ainda, segundo Dagoberto de Carvalho (1983) o estabelecimento para a
fiação de algodão fracassou, passando então o casarão a abrigar a casa de
Câmara e Cadeia tendo permanecido como cadeia até a construção de um novo
estabelecimento abrigaria essa função em 1904.
No período entre
guerras, caracterizado pela modernização e implementos de aparatos que
viabilizassem e dessem conforto ao viver da população em muitas cidades
brasileiras e ainda pelos lucros auferidos pela inserção da cera da carnaúba no
mercado internacional, Piracuruca a partir de 1929 e por falta de sede própria
funcionou desde sua implantação em uma das salas da Intendência, até que um
prédio que a abrigasse fosse construído, o que finalmente aconteceu em 1943.
Nessa mesma época, os
demais salões da Intendência prestigiavam animados bailes carnavalescos da
elite piracuruquense e entre confetes e serpentinas surgiram animados blocos, a
saber: As Marinheiras, As Columbinas, os Cowboys, formados por rapazes e moças
pertencentes a mais fina flor da sociedade nas décadas de vinte e trinta. Mas,
não só os bailes das épocas de Momo aconteciam no Palacete da Intendência, cada
etapa de desenvolvimento era festejada, como por exemplo, o baile de
inauguração da Estrada de Ferro Central do Piauhy, quando os trilhos finalmente
chagaram a Piracuruca no ano de 1923, fazendo com que a cidade tivesse ligação
direta com Parnaíba, o principal centro exportador do estado. Como se pode
observar, o casarão da Intendência “testemunhou em alternadas vezes, a prática
de lazer, da justiça e da cultura em suas dependências. Em seus amplos salões já funcionaram a cadeia
pública (século XIX) Fórum de Justiça e residência de juízes (início do século
XX), biblioteca pública (anos 1930) e um cinema de 162 lugares (Cine Roxy).
Após
ser readquirida pela prefeitura em 1947, parte do casarão passa a ter a função
de escola, passando a abrigar o Ateneu Piracuruquense, antiga escola primária,
que ao final de um curso de cinco anos submetia os alunos ao teste de admissão
ao ginásio. Esta escola atendeu ao alunado do município até inicio da década de
1970. Com o fim do Ateneu Piracuruquense, o prédio da antiga Intendência, sem
receber os devidos cuidados começa a entrar em estado de arruinamento. A partir
desse período algumas de suas dependências são ocupadas por bares e outras
serviram de moradia para pessoas carentes. No ano de 1992, o imóvel foi doado
ao Serviço Social da Indústria (SESI) pelo então prefeito em exercício Adelino
Fortes de Moraes Melo, causando discussões entre as autoridades legislativas
municipais, o que fez com que o casarão retorna-se ao patrimônio municipal no
ano seguinte. A discussão gerada pela doação fez com que surgisse em seu bojo a
Lei nº 1359/93 que versa sobre o tombamento de bens considerados históricos,
paisagísticos e artísticos localizados no Município de Piracuruca.
Apesar de sancionada
pela Câmara Municipal em abril de 1993, a lei nunca entrou em vigor
efetivamente, pois apenas uma pequena parcela da população tomou conhecimento
de sua existência, e também depois de sancionada muito do patrimônio histórico
da cidade foi destruído, descaracterizado e modificado sem que ninguém do
legislativo municipal fizesse alguma coisa.
Além das ruínas: revitalização da antiga
Intendência
O estado de conservação
em que o casarão da antiga Intendência permaneceu até o ano de 2003 era precário,
mesmo o imóvel em questão já sendo tombado pela Fundac. Com isso pode pensar no que
diz Françoise Choay "já que [...] os monumentos são, de modo permanente,
expostos às afrontas do tempo vivido. O esquecimento, o desapego, a falta de
uso faz que sejam deixados de lado e abandonados" (CHOAY, 2006). Concordando
com a afirmação da autora a cerca do processo de arruinamento dos monumentos,
percebesse que o mesmo aconteceu ao prédio em questão a partir do final da
década de 1970 pela perda de sua função social, mais ainda assim servindo como
um detonador de sentimentos e experiências vividas.
No ano de 2003, a
Prefeitura Municipal de Piracuruca, com o investimento de recursos próprios do
município, depois de muitos meses de serviço restaura completamente o casarão
da Intendência e passa a fazer uso dos amplos espaços de suas dependências para
o desenvolvimento de atividades voltadas para a comunidade local como aulas de
música, computação e academia de ginástica. Com a reforma em questão percebe-se
que os valores atribuídos pela população são reapropriados e transformam-se os modos como está sente o
espaço, pois preservação dos bens históricos não estão na capacidade de eles
permanecerem como estão, mas sim na capacidade de se adequar as mudanças
sociais e culturais da sociedade.O extinto jornal Folha de Piracuruca, que
circulou em 18 de outubro de 2003 traz a matéria intitulada: Prefeitura de
Piracuruca restaura Casarão Histórico, onde o redator além de convocar a
população para a inauguração do agora Casarão Padre Sá Palácio mostra o seu
ponto de vista quanto à realização das obras de restauro e uso dos espaços:
O
resultado desta obra transborda aos olhos de quem chega a Piracuruca e pode
defrontar-se com o estilo mais antigo embalado pela beleza e o carinho como
cada detalhe foi conservado, e com a hegemonia de um tempo se transporta para o
presente com extrema elegância e bom gosto. O espaço criado para levar à
juventude múltiplas oportunidades de qualificação profissional e aprimoramento
de conhecimentos e outro destacado ponto se denota, de forma admirável, a
incomensurável preocupação com a educação e formação juvenil. (Jornal Folha de
Piracuruca, 18/10/2003)
Podemos
perceber neste caso o que é apontado por José Reginaldo Santos Gonçalves como
ressonância, ou seja, o patrimônio realmente cria no indivíduo um sentimento de
ligação; as várias funções adquiridas pelo prédio não impedem que aquele espaço
seja ressignificado pela comunidade da cidade de Piracuruca. O patrimônio
ressignifica-se para que a geração atual possa enxergar ali não algo velho e
monótono, mas algo que possa vir a ter uma utilidade em suas vidas.
Considerações Finais
A
memória de uma cidade se dá por um leque variado de elementos, levando em conta
seus componentes materiais e imateriais. As casas, ruas, praças, igrejas,
prédios públicos, iluminação, sistemas de abastecimento de água, são alguns
exemplos da materialidade a ser observada, pensada e discutida. No entanto,
essa materialidade não possui uma existência ou significado isolado do âmbito
subjetivo, das simbologias, do imaginário, das representações e das
identidades.
A história de um prédio, seus usos e funções,
ao longo do tempo, representam esse diálogo entre a materialidade e a
imaterialidade, de forma pulsante e, em larga medida, conflituosa e cheia de
tensões. E são essas tensões, por meio das permanências e mudanças, que fazem
ou recriam a própria História. As disputas da (re) construção da memória de um
prédio, como no caso do casarão desse estudo, apontam para a dialética de que a
cidade, e todos os seus componentes, por mais que se pretendam preservá-los,
não se pode esquecer-se do processo dinâmico com os quais os agentes consomem e
produzem os espaços.
As lacunas
que se formam, em decorrência da falta de mais e detalhados registros de cada
momento, de cada fase do casarão, principalmente em sua fase inicial, para além
dos desânimos da pesquisa, são indicadores da própria memória que
se constitui por meio do jogo do esquecimento e da lembrança. O esquecimento,
ou o silêncio, de muitas informações sobre tal prédio, apenas direcionam para o
fato de que o trabalho de historiadores e demais pesquisadores deve ser
constante e, até certo ponto, vigilante. Trata-se de um trabalho que perpassa
pela atuação conjunta, que leva em consideração uma atitude ampla: a educação
patrimonial. A educação patrimonial deve, então, abrir espaço para o debate de
que a preservação e a conservação se tratam de concepções distintas, mas que
devem coexistir no percurso de manutenção das memórias. Não se trata, por
certo, de uma tentativa de cristalização de um tempo no presente, mas da
percepção de que as temporalidades devem ser percebidas mediante, inclusive, os
anacronismos, os usos e as funções. Nesse estudo, buscou-se abrir as portas
e janelas do casarão, para que as luzes da história e da memória pudessem
circular melhor entre a poeira e a escuridão do esquecimento. As marcas
deixadas por essas poeiras também são importantes para a compreensão dessa
história.
Referências
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Ítalo. As cidades invisíveis.
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CARVALHO
JR, Dagoberto Ferreira de. Piracuruca de Nossa Senhora do Carmo. IN: Revista Presença. Teresina, Ano IV, Nº 8, p. 14-18,
Julho/Setembro, 1983.
CERTEAU,
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2. Morar, cozinhar. 10 ed. Petrópolis: Vozes, 2011.
CHOAY,
François. A alegoria do Patrimônio.
3. ed. São Paulo: EDUNESP, 2006.
ESCÓRCIO,
Fabrício. Uma arquitetura em mudança. IN: Revista Ateneu. Piracuruca, Ano I, n.1, p. 18-19, jan., 2001.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. 6. ed. Campinas, SP: EDUNICAMP, 2012.
LEVI, Giovanni. A História é uma ciência da busca
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<www.revistadehistoria.com.br/secao/entrevista/giovanni-levi>Acessado em: 12/12/14.
PARREIRAS HORTA, Maria de Lourdes. Os lugares da memória. IN: COSTA SILVA, René Marc da.
Cultura Popular e Educação.
Brasília. Ministério da Educação. Brasília. 2008, p. 111-118.
ROLNIK, Raquel. O que é cidade. São Paulo: Brasiliense, 2004.
SILVA FILHO, Olavo Pereira da. Carnaúba, pedra e barro na capitania de São
José do Piauhy. Belo horizonte: Edição do autor, 2007.
WEHLING, Arno. Formação do Brasil Colonial. 2.
Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
Parabéns pelo trabalho! sugiro que leia diretamente o artigo de Pierre Nora( 1984) Entre a memória e História: a problemática dos lugares, que faz uma reflexão da função dos lugares de memória que é cristalizar as lembranças humanas no tempo, haja vista que as sociedades contemporâneas cada vez mais estão sujeitas ao esquecimento, além disso, ele apresenta o conceito de memória que existe nos três sentidos: material, simbólico e funcional. Também gostaria de saber: você dispõe de outras fontes? se pretende ampliar seu trabalho, irá usar fontes orais para ver o valor que os habitantes conferem a esse patrimônio arquitetônico e histórico da cidade? e se existe leis de tombamento da cidade, pretende explorar mais? Pauliana Maria de Jesus. Mestre em história do Brasil-UFPI
ResponderExcluirOlá professora Pauliana Maria, boa noite!
ExcluirObrigado pela sugestão de leitura, tenho certeza que contribuirá grandemente no prosseguimento de minhas pesquisas sobre o casarão. O levantamento de fontes sobre o Casarão Padre Sá Palácio acontece de forma continua, muitas vezes ao realizar alguma outra pesquisa sobre a história da cidade, as fontes vem até nós, como fotografias e documentos relacionados aos usos desenvolvidos no casarão. Temos uma série de fotografias de eventos que aconteciam no local como bailes de carnaval, sessões de cinema e reuniões da Intendência, além disso encontrei em pesquisa recente alguns documentos sobre a cadeia publica que funcionou no referido casarão até o inicio do século XX. As fontes orais são valiosas aos trabalhos desenvolvidos sobre o casarão, já que muitas pessoas participaram das práticas e eventos desenvolvidos na construção. nesse aspecto temos uma pesquisa iniciada sobre o Ateneu Piracuruquense, uma escola que funcionou no local inciando na década de 1940 e finalizando na década de 1960. Quantos as leis de tomamento, elas existem sim e a mais antiga é uma lei criada pelo município ainda em 1993 e posteriormente o Estado do Piauí tombou a construção (2000). Porem uma ação mais atuante sobre a questão de preservação e conservação vai acontecer apenas a partir de 2012, quando o conjunto histórico de Piracuruca é delimitado e tombado.
Paulo e Pedro, parabenizo pela pesquisa!
ResponderExcluirAcredito ser muito importante o registro documental do patrimônio, nas suas diversas tipologias. E o registro acadêmico, ou seja, as pesquisas produzidas pelos historiadores, podem inclusive fomentar e estruturar as políticas públicas relacionadas à proteção do patrimônio cultural brasileiro. Me chamou a atenção o estado de conservação do Casarão, aparentemente bem conservado (imagino que a foto inserida nesse texto seja atual). Nesse sentido, e a partir das informações que vocês trouxeram, fiquei bem curiosa a respeito dos diferentes "momentos históricos" do Casarão. Quem sabe essa seria uma vertente interessante a se explorar... as mudanças históricas, bem como no próprio prédio e seu entorno. Essas questões dizem muito sobre a história e a memória da cidade de Piracuruca. Numa outra perspectiva, também me interessou saber como o poder público lida com a questão da preservação do prédio. Entendi que há uma lei de tombamento municipal para o mesmo. Ou seja, como as intervenções foram feitas? Em que medida estão dentro da "legalidade"? Ao que parece, funciona alguma instituição atualmente, certo? Vi pela foto duas placas instaladas na parede... Mas enfim, são algumas sugestões para pesquisas futuras. No mais, sigam em frente! Abraço.
Camila de Brito Quadros Lara - PPGH/UFGD.
Boa noite Camila! Agradeço pela leitura e questionamentos sobre nosso texto.
ExcluirO objeto de estudo analisado no texto é tombado em dois níveis, tanto pelo município de Piracuruca, quanto pelo Estado do Piauí. A última intervenção feita na construção aconteceu em 2004 e foi produzida pela prefeitura municipal para abrigar projetos sociais voltados para a população jovem, assim a construção passou a ser conhecida como Espaço Jovem. Além desse intuito, a intervenção aconteceu pois também promoveu um processo de restauração completa da construção pois esta estava em um estado avançado de arruinamento. Quanto aos "momentos históricos" do casarão Padre Sá Palácio temos já uma pesquisa iniciada sobre um estabelecimento de ensino que funcionou no prédio entre as décadas de 1940 e 1960 chamada Ateneu Piracuruquense, escola essa que promovia uma especie de curso preparatório para as provas de admissão ao ginásio. Obrigado pela leitura e suas sugestões só tem a engrandecer os futuras trabalhos sobre o casarão.
Pedro e Paulo, gostaria de saber um pouco como os cidadãos de Piracuruba se sentem em relação ao casarão (se eles se identificam com aquele espaço e como é trabalhada a questão patrimonial no município)?
ResponderExcluirAtt. Aline de Freitas Lemos Paranhos
Olá Aline, boa noite! Obrigador por ler nosso texto.
ExcluirPiracuruca é um município que se formou como povoação ainda no início do século XVIII, por isso detêm em seu território ainda muitas construções históricas. As construções que atravessaram esse período até hoje foram transformando significações na população local. O caso do objeto de estudo em questão é bem interessante pois ele passou por muitas mudanças de sentidos. A cada mudança de função, um significado diferente da população. Hoje, pelos serviços oferecidos a população da cidade como academia e aulas de informática , a população foi chamada a revisitar a historia da construção e assim despertar a ideia de pertencimento. O poder público municipal ainda não produz ações voltadas as questões sobre o patrimônio histórico, apesar de existir uma lei municipal de salvaguarda das construções históricas. Existem sim ações pontuais desenvolvidas pelas escolas. Exemplo disso é o projeto Artífices da Memória desenvolvido pela escola onde trabalho, onde os alunos e professores trabalham em sala de aula e fora dela aspectos relacionados ao patrimônio material, imaterial e ambiental. Nesse projeto são desenvolvidas aulas, visitas guiadas e a produção de um diário gráfico por cada aluno participante